quinta-feira, 23 de junho de 2011

Sobre os livros e a vida


A vida tem o mesmo problema que uma transmissão noticiosa em directo para a televisão: a falta de edição.

É, em essência, material em bruto - e sem sentido, a não ser aquele que lhe é, mal ou bem, colocado a posteriori por quem vive. Em oposição, uma notícia editada é, se for realizada com êxito, uma peça cirúrgica sobre a vida. É algo esclarecedor, que faz pensar. Quando são bons, os livros são ainda melhores: não só têm sentido, como têm uma visão. E essa visão, se for escrita com sofisticação, com alcance, pode mudar o mundo. Por conseguinte, nós, escritores, somos (ou deveríamos ser) intermediários entre a vida, entre material em bruto, tão sujo e ineficaz quanto minério, e o papel, palimpsesto para visões refinadas como aço ou cristal na fornalha fervente da mente.

Aqueles que dizem que o conhecimento livresco é inferior ao vivido não sabem do que estão a falar: onde é que se pode aprender como morre uma estrela, numa explosão tão intensa que observá-la de perto daria a impressão de demorar séculos a fio, a não ser num livro? Onde é que se pode ver borboletas com asas feitas de pão-de-forma (já barradas com manteiga), a não ser num livro? E onde é que se pode encontrar o suposto salvador de toda a humanidade, cingido e sangrante, a não ser num livro? Basta abrir um livro para dar luz à casa.

Os livros são vida editada pelos escritores. Já a vivemos, já fomos enganados pelas suas emboscadas, e apresentamos a nossa visão sobre ela. As nossas ideias.

As ideias, claro, não existem. Não se pode tropeçar numa ideia.

Mas só elas são capazes de mudar o mundo.