terça-feira, 12 de novembro de 2019

Memetismo


Há alturas em que não se ouve falar em outra coisa senão em memes, mas, de facto, ainda não ouvi ninguém pronunciar correctamente essa palavra: é que não se diz “méme”, mas “mime” — como na primeira pessoa singular do presente do conjuntivo do verbo transitivo mimar.

O neologismo não nasceu nos fóruns da Internet, mas no livro The Selfish Gene, do biólogo inglês evolucionista Richard Dawkins, publicado em 1976. Na parte final do último capítulo do livro, Dawkins cunhou o conceito de meme para denominar aquilo que ele suspeitava ser o bloco elementar de criação das ideias; tal como o gene era, para os organismos, o bloco elementar de criação. Ora, gene também é um neologismo — em alemão —, criado no início do século XX pelo botânico dinamarquês Wilhelm Johansen. Só que na língua inglesa essa nova palavra pronuncia-se “gine” e Dawkins é categórico, na sua passagem do livro supramencionado, em como meme deve rimar com “gine”; ou seja: deve dizer-se “mime”.

Considerando que “meme” não tem tradução em português, além de ser sempre aplicada no nosso discurso como se fosse transplantada na sua forma original, deverá então ser pronunciada como “mime”, segundo a lógica que subjaz ao pensamento do seu criador.

A adopção de meme em finais dos anos noventa para significar imagens ou personagens satíricas que circulam pela Internet deverá relacionar-se, acho eu, com o carácter viral das mesmas, já que no pensamento de Dawkins os memes reproduzem-se pela lógica da selecção natural: os de maior êxito auto-reproduzem-se de mente em mente, como músicas orelhudas ou chavões populares, e os outros vão sendo esquecidos e desaparecem. Até a noção de que quem conta um conto lhe acrescenta um ponto é uma boa imagem de como as mutações genéticas aleatórias concorrem para o processo da evolução segundo a selecção natural.