Mais do que observar que se trata de uma calendarização radicada em
substrato dito pagão ou, por outro lado, num constructo cristão como o
Carnaval, retenha-se que consiste num período poroso em quem vivos e
mortos se aproximam da celofânica e frágil membrana a que chamamos
existência. Acredite-se ou não na presença operativa dos mortos ou que
se liberte o interstício das recordações para alcançá-los, o homem é,
assim, essa criatura excêntrica que é, individualmente,
todo um contínuo histórico e intransferível, cuja vida se faz com
todos: os que ainda cá estão e aqueles que já morreram. No proteiforme
limbo da imaginação, cadinho de todos os medos e todas as aspirações,
somos todos como a Louca Griet, de chuço em riste contra sabe lá ela o
quê. Neste mundo horroroso que é o da contemporaneidade, marcado pelo
utilitarismo extremo e pela mercearização do humano, às vezes só a
loucura, a quixotesca quimera de querer realizar sentido à força num
mundo boçal, hostil e artificial, pode remir o indivíduo. O futuro é um
horizonte rarefeito, coado pela peneira de infindas possibilidades — só
no passado encontramos aquilo que somos. Só no passado encontramos
aqueles que foram connosco.