terça-feira, 26 de abril de 2011

"Ensaio Sobre o Mal"

O vídeo da minha intensa interpretação da peça Ensaio Sobre o Mal. Consiste num trabalho de spoken word, que reflecte sobre o Mal, as suas manifestações culturais e o mistério da sua origem.
Foi gravado ao vivo na primeira vaga do evento Cabaret Seixal 2011 (organizado e musicado por Charles Sangnoir, vocalista e compositor de La Chanson Noire), no dia 25 de Fevereiro, no Cinema São Vicente (Seixal).


sexta-feira, 22 de abril de 2011

"Batalha": Sinopse e novo excerto


«Só os animais sabem como os homens devem falar.

Uma ratazana ateia.
Uma porca piedosa.
Um arquitecto agnóstico.
Uma fábula fascinante.

Em Batalha, David Soares (O Evangelho do Enforcado, Lisboa Triunfante, A Conspiração dos Antepassados) apresenta uma história em que os animais são protagonistas. Passado no início do século XV, Batalha é um romance sombrio, filosófico e comovente, que observa o fenómeno religioso do ponto de vista dos animais e especula sobre o que significa ser-se humano.
Batalha, a ratazana, procura por sentido, numa viagem arrojada que a levará até ao local de construção do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, o derradeiro projecto do mestre arquitecto Afonso Domingues. Entre o romance fantástico e a alegoria hermética, Batalha cruza, com sensibilidade e sofisticação, o encantamento das fábulas com o estilo negro do autor. Imperdível.»

«Ocultando-se dos olhares dos indivíduos, foi admirando a disposição das casas e dos objectos e achou que aquele sítio não era diferente da quinta. A multiplicidade de cheiros era estonteante, mas uma azeda fragrância cerealífera, que permeava tudo, era o dominante, secundada por um desagradável odor metálico.
(...) Quasi-reptante, e resguardado pelas sombras das paredes de pedra das casas, Batalha também sentiu cheiros felinos, mas não viu gatos nenhuns; então, no centro da aldeia, viu dois homens pendurados pelos pescoços, por gramalheiras, num pelourinho de pedra plutónica.
As faces escoriadas pela erosão cadaverina deixavam-lhes os ossos à mostra; e os seus dentes arreganhados e alcalinos, que lhes emprestavam ares de animais granívoros, pareciam feitos do mesmo granito do pilar pendulifloro. Havia um terceiro homem, ao pé deles, mas suspenso pelo tórax e ainda vivo. Era este que meia-dúzia de gente insultava e atirava vegetais apodrecidos, num efusivo avesso de aclamação; os outros balouçavam com boçalidade, só com as moscas como companhia.
(...) A somar àquilo que Batalha já aprendera sobre a morte, vinha o conhecimento de que ela era vaidosa e exigia jóias novas a todas as horas: ouropéis ossiculares, pingentes de polpa, medalhões morbíficos, cadáveres cristalóides — peças preciosas para estimular emulação nos espectadores das execuções: o seu público preferido — os seus idólatras impecáveis e incansáveis. E, no entanto, no meio da morte, a vida também vicejava: bebés riam nos colos das mães, os pássaros cantavam nos telhados das casas e os insectos zumbiam, num zunzum bem-humorado, enquanto sugavam os sucos naturais das flores, frutos e falecidos.»

Batalha, o meu novo romance, é editado pela Saída de Emergência e estará disponível na 81ª Feira do Livro de Lisboa, numa pré-venda exclusiva, no dia 7 de Maio, às 17H00. Com a minha presença e a do ilustrador Daniel Silvestre da Silva.

terça-feira, 19 de abril de 2011

A Caixa


Não, não é a peça de Hélder Prista Monteiro, mas um conto de Richard Matheson que intitula esta antologia de contos de horror, publicada este mês pela Saída de Emergência. A Caixa é, pois, um compêndio de alguma da melhor ficção curta do autor norte-americano Richard Matheson, escolhida e traduzida por mim.

Mais conhecido do público português pelos argumentos que escreveu para séries de televisão (como The Twilight Zone, por exemplo), Matheson também é o autor do romance I Am Legend, já editado pela Saída de Emergência.
A prosa de Matheson é propositadamente minimalista. A minha ideia é que ela consiste numa estratégia de diferenciação dos estilos mais carregados de escrever horror, popularizados por autores como Lovecraft, e, com este conhecimento em mente, é fácil perceber o modo como Matheson nos quer pôr a pensar. Ele não é um grande estilista, é preciso ser sincero, mas é um eficaz inseminador de ideias, de conceitos.

Quem não sentiu ansiedade ao vislumbrar pelo espelho retrovisor o enigmático camião de Duel, de Steven Spielberg, a assomar ao fundo da estrada? A culpa é de Matheson, argumentista do filme e autor do conto original que serviu de base ao seu argumento.
Quem não sente ainda calafrios ao lembrar-se da famosa história sobre o passageiro de avião, interpretado por William Shatner, que, num seminal episódio da série The Twilight Zone, se apercebe em absoluto desespero que é o único capaz de ver um monstro que tenta arrancar a fuselagem da asa do avião, em pleno voo? Esta história também se encontra em A Caixa.

Com efeito, o horror de Matheson é sempre cosmopolita - um horror suburbano, doméstico, familiar, muito cá de casa - e os elementos "exóticos" (como a viagem de avião ou a presença de um boneco tribal) não deixam de ser absorvidos por esse sentimento de domesticidade, tornando-se até "hiper-domésticos", no sentido braudrillardiano de "mais domésticos que o doméstico real". Um exemplo perfeito, e desconcertante, dessa premissa é o conto Fúria Íntima, que quase faz lembrar uma peça de teatro do absurdo, ao melhor estilo de Ionesco.

Esse é o maior valor das histórias de Matheson: sendo tão "despojadas" é espantoso que não tenham espaço para o supérfluo, para o artificial.
Esta A Caixa pode não ser a homónima e vanguardista peça de teatro do absurdo escrita por Monteiro, mas é uma antologia de contos em que o burlesco, o absurdo e o horror do quotidiano se mesclam num estilo seco que nos cai no colo sem decorações - sem, lá está, ersatzes.

domingo, 17 de abril de 2011

"O Pequeno Deus Cego"


No dia 7 de Maio, às 14H00, estarei presente no festival de banda desenhada Anicomics (organizado por Mário Freitas e que decorrerá nos dias 7 e 8 de Maio na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, em Lisboa) para apresentar o meu novo álbum de banda desenhada, intitulado O Pequeno Deus Cego (a editar este ano pela Kingpin Books).

Escrito por mim e desenhado e colorido por Pedro Serpa, consiste numa história fantástica, simbólica e negra, passada na China feudal. Podem crer que o horror, o fantástico e o hermético também figurarão em peso neste título.

No mesmo dia, às 17H00, estarei na 81ª Feira do Livro de Lisboa para apresentar o meu novo romance Batalha (editado pela Saída de Emergência): o meu romance preferido e um dos livros que mais me orgulho de ter escrito.

Sob os augúrios de uma ratazana ateia e de um pequeno deus cego, este ano, no que diz respeito aos meus livros, também é, tal como foi 2010, de abundância.


quarta-feira, 13 de abril de 2011

"Batalha": pré-apresentação na 81ª Feira do Livro de Lisboa


No próximo dia 7 de Maio, às 17H00, estarei na 81ª Feira do Livro de Lisboa para apresentar e assinar exemplares do meu novo romance Batalha (Saída de Emergência).
Ao meu lado estará o artista Daniel Silvestre da Silva, cujos desenhos ilustram a narrativa.

Batalha é um romance de literatura fantástica, que observa o fenómeno religioso do ponto de vista dos animais. É, também, um romance hermético e alegórico.

Bode expiatório


Lido o excelente Hadrian The Seventh, de Barão Corvo (crítica para breve), começa-se Giles Goat-Boy, de John Barth. A minha edição é esta, com uma ilustração do famoso Stephen Alcorn.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

"BATALHA" - pré-venda na 81ª Feira do Livro de Lisboa


«A primeira vez que Batalha viu uma caveira, pensou que fosse um desvairamento, estimulado pela febre que sentia; pois que frenesi da Natureza, ou até dos próprios Pais do Mundo, teria gerado algo tão invulgar?
(...) durante esse caminho tortuoso, ao longo de túneis apertados, (...) viu as relíquias da corrupção humana que, entre a terra, observavam como sentinelas os roedores peregrinos. Sem nenhum conhecimento das hierarquias que regiam a sociedade dos homens, Batalha não sabia que os ossos que encontrava, alguns interpostos em esqueletos mais ou menos intactos, outros desbaratados pelos ínfimos movimentos da terra, mas todos tapados por trapos, tinham servido de sustentáculo às carnes mais afortunadas, em oposição aos ossos dos pobres, inumados numa vala vizinha.
A caveira que o impressionou, desdentada e pintalgada de pretidão, retinha uma imperturbável atitude altiva — era um génio subterrâneo, que guardava a passagem com um sinal de sobranceria, de displicência. Teias de linho, miscigenadas com filigranas fungongóricas, amarravam-na à terra humedecida e, no seu interior, observável através das órbitas ocas, encontravam-se excedentes cefalóides: um forro feito de antigualhas, agora fossilformes.
Acometido de febre (...) Batalha perdeu a consciência enquanto passava à frente dessa caveira, esse ex-homem; e, num derradeiro instante de lucidez, antes de descair para as profundezas piréticas (...) pensou que, com efeito, todos os homens — e todos os bichos — eram feitos de pedra, por dentro.
Vive-se para sonhar, para ver as maravilhas do mundo, para amar, e é para isso que a carne serve, mas, no final, quando a carne se estraga, volta-se a ser a pedra que se foi no início — a pedra honesta que, apesar da carne e dos anos, subsiste. Nada era mais rudimentar que essa pedra. Nada era mais tosco.
Mas também nada era mais verdadeiro.
Mais ético.»
Um excerto do meu novo romance Batalha (Saída de Emergência).
Daqui a um mês, no dia 7 de Maio, estarei presente no stand das edições Saída de Emergência, na 81ª Feira do Livro de Lisboa, para assinar exemplares deste título numa pré-venda exclusiva, antes do livro ser distribuído pelas livrarias. Uma oportunidade única para quem quiser estar entre os primeiros a lerem o meu novo romance.

Mais pormenores, em breve.
(Nesta ligação podem consultar o horário de funcionamento e localização dos stands da Saída de Emergência.)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

terça-feira, 5 de abril de 2011

Comer e morrer sozinho em Veneza


Depois do excelente Moby Duck, de Donovan Hohn (ler crítica abaixo), vou, finalmente, ler Hadrian the Seventh, de Barão Corvo (Frederick Rolfe).
Nesta altura, em que qualquer cão ou gato que escreva meia-dúzia de parágrafos à solta num weblog já é considerado um autor de primeira água, só pode fazer bem à cabeça ler um livro de um verdadeiro Génio; que, qual é o espanto?, morreu sozinho na miséria, em Veneza...
Seja em Veneza ou em outro lado qualquer, os génios, de maneira geral, comem e morrem sozinhos - só os parasitas comem e morrem acompanhados. Não é de espantar que essa palavra venha da grega parásitos, que significa aquele que come junto de.

A Amarelidade do Amarelo


O título do meu comentário sobre o livro Moby-Duck, de Donovan Hohn (Viking Press, 2011) refere-se ao capítulo quarenta e dois do romance Moby Dick, de Herman Melville, intitulado The Whiteness of the Whale - uma das minhas peças literárias preferidas, na qual Melville ensaia com mestria sobre as qualidades mais sinistras da cor branca, num rol de referências mitotémicas muito bem feito. Se a brancalidade da cor branca do cachalote perseguido por Ahab encerra, na mente do desesperado, mas temerário Ismael, uma série de ideias funestas que se apresentam como notas hariólicas sobre o destino da viagem amaldiçoada do baleeiro Pequod, então a amarelidade da cor amarela dos patos de plástico perseguidos por Hohn, também emite uma qualidade quasi-mítica, mas que comunica com um conjunto de valores positivos. É o próprio Hohn que, a dada altura, na página 224 do quinto capítulo de Moby-Duck discorre com propriedade sobre o porquê dessa amarelidade - e, também, sobre a origem do pato de borracha (ou plástico) enquanto brinquedo e enquanto símbolo cultural. A exposição destas ideias fecha com elegância uma parte importante da investigação (mas não a provação final) do jornalista: a visita à fábrica chinesa onde os patos foram produzidos. Patos que, em 1992, na companhia de castores vermelhos, rãs verdes e tartarugas azuis, compondo um total de 28 800 bicharocos de plástico, caíram de um cargueiro no Oceano Pacífico quando a embarcação navegava em direcção aos Estados Unidos. Durante mais de uma década, os Friendly Floaties, como a imprensa lhes chamou, circularam pelas águas agitadas do Pacífico, dando à costa nos locais mais inesperados, como as praias do Havaí, a costa do Alasca e a do estado norte-americano do Maine, o que significa que as quatro variedades de amiguinhos flutuantes foram capazes de contornar as passagens tempestuosas do Ártico até chegarem ao Oceano Atlântico. A viagem dos brinquedos pelos oceanos capturou as imaginações do público e dos oceanógrafos da altura e, passados pouco mais de dez anos, a de Hohn, que se despediu do emprego como professor para se tornar o cronista destes peregrinos acidentais: Ahab e Ismael, em simultâneo.

Moby-Duck é um triunfo.
É um genuíno e belíssimo trabalho de jornalismo de investigação, sem pretensões a ser lido como um romance ou coisa análoga, escrito com muita inteligência e coração. Com efeito, não há nada, mas mesmo nada, em Moby-Duck que seja mau, pedante, tíbio, afectado, preguiçoso, mal-intencionado ou cínico. Consiste num livro rigoroso, no que diz respeito ao discurso científico - sem alegorias ou facilitismos baratos que tornem simplório o fascinante conteúdo técnico - sobre a manufactura das criaturinhas plásticas, sobre a odisseia oceanográfica através dos tempos e sobre a análise da poluição dos mares; e, ao mesmo tempo, no modo autêntico, liberto de tiques de vedetismo, como Hohn expõe a sua trajectória pessoal e a dos seus comparsas honorários na busca pela verdadeira história dos Friendly Floaties, invocando autores como Melville e Conrad, entre outros, é capaz de oferecer um cunho poético à investigação, ancorada em incursões históricas por clássicos mitos teriomórficos, pelo contemporâneo glamour da publicidade comercial e, sobretudo, por uma prosa cuidada, assinalada em apontamentos de grande delicadeza.

Merecendo todos os elogios que eu lhe posso dar, Moby-Duck é, já nesta altura do ano, uma das minhas melhores leituras de 2011 - e o facto de vir a ser, sem dúvida, uma das melhores prosas de 2011, ainda por cima escrita não pelas mãos de um romancista, mas pelas de um jornalista, só reforça o carácter exótico que o livro inegavelmente possui.
De quando em quando há livros assim: que aparecem do nada, que nem um pato de plástico trazido pelas ondas. Ou, como escreve Hohn sobre uma gaivota boiando no breu, «Out beyond the edge of light, a glaucous gull floated contentedly on a swell, a white dot of sentience in the icy dark».
Moby-Duck é uma luz que boia brilhante no meio da mediania parda que é publicada todos os dias: mas uma luz amarela. E essa amarelidade, acreditem, é linda.

sábado, 2 de abril de 2011

As heterodoxias do cristianismo


O cineasta e escritor António de Macedo acaba de publicar pela Ésquilo a sua magnífica tese de doutoramento em Sociologia da Cultura, intitulada Cristianismo Iniciático: um magistral volume, com mais de 650 páginas, que versa sobre o carácter iniciático e esotérico das diversas tradições crísticas heterodoxas que, repudiadas pela visão institucional sobre esse fenómeno, acabaram por, de uma forma ou de outra, se conservarem na marginalidade e no obscurantismo dos seus cultores. É, pois, uma obra nada ortodoxa, que interroga, esclarece e ilumina. De um ponto de vista sociológico e histórico é absolutamente fascinante.

Tive o privilégio de assistir à defesa da tese (distinguida com a nota máxima), na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, em 2010, e é com uma satisfação enorme que vejo a sua publicação em livro: satisfação por saber que um trabalho deste altíssimo nível e rigor intelectual está, finalmente, disponível ao público; dupla satisfação por saber que esta edição consiste em mais uma luminosa obra com a qual António de Macedo enriquece uma longa carreira feita de títulos importantes, relevantes e desafiantes, sempre contrariando os obstáculos da ortodoxia. Parabéns!