sexta-feira, 10 de junho de 2011

Breve nota sobre Camões


Se a data de nascimento de Luís Vaz de Camões ainda é incerta (1517? 1524?), a historiografia camoniana é mais ou menos consensual no que concerne à data da sua morte: 10 de Junho de 1579; sete anos depois da publicação da primeira edição de Os Lusíadas. Na realidade, é sempre mais problemático deixar uma data de morte em aberto que uma de nascimento.

Camões, como é sabido, morreu na miséria, de corpo deteriorado, e foi enterrado sem cerimónias no adro da antiga porta principal da Igreja de Sant'Anna. Quinze anos depois, aparentemente alguns dos que conservavam memória do seu nome, por iniciativa de D. Gonçalo Coutinho, lá trataram de encontrar uns restos mortais que acharam ser dele e fizeram-lhes sepultura em outro local da igreja sobre o qual, em 1729, se construiu um novo coro que sobreviveu ao grande terramoto de 1755. No dia 8 de Junho de 1880, foram finalmente levados para a Igreja de Santa Maria de Belém (Mosteiro dos Jerónimos), os ossos encontrados vinte e seis anos antes em Sant'Anna pela comissão responsável para o efeito. Muita especulação envolve não só o enterramento original de Camões, como a identidade fidedigna das ossadas conservadas em Belém.

Os relatos históricos disponíveis sobre estes episódios apresentam-se discordantes. Um dos mais interessantes, embora eu não avance com a hipótese de que se trate do mais credível, é A Verdade Acerca dos Ossos de Luiz de Camões, escrito pelo padre Sebastião de Almeida Viegas, antigo capelão das freiras de Sant'Anna. Neste precioso volume, editado em 1893, o sacerdote, que testemunhou em primeira mão as operações da comissão de 1854 e respectivos desenvolvimentos, mostra ao leitor que não está convencido de que as ossadas enviadas para Belém sejam as de Camões, afirmando que essas ainda estão em Sant'Anna. Os peritos forenses da comissão de 1854, por exemplo, examinaram a arca em que foram depositados todos os ossos encontrados no local, incluindo o famoso esqueleto guardado no cesto de vime, e concluíram que pertencem a diversos homens e mulheres, cada qual marcado por maleitas diferentes. Eu também acho que as ossadas de Camões ainda estão em Sant'Anna e até tenho dúvidas de que aquelas encontradas por D. Gonçalo Coutinho tivessem sido as do poeta. Passados terramotos, repavimentações e reconstruções, será muitíssimo improvável que venham a ser encontradas.

No que diz respeito à fisionomia de Camões, esse é outro mistério, embora seja também consensual a ideia de que o retrato pintado por Fernão Gomes (talvez entre 1573 e 1575) possa ser aquele que possui um maior grau de verosimilhança. Até se descobrirem mais informações ou até outras representações, terá de aceitar-se esta tese que, entretanto, já granjeou tantos e credíveis cultores. Com efeito, a nossa percepção de Camões precisa de um rosto: a ser, de facto, o pintado por Fernão Gomes, ficamos com a certeza de que é um excelente trabalho.

Quanto ao apelido Camões, ele entra no nosso léxico no século XIV com Vasco Pires de Camões, um nobre galego que se refugiou em Portugal. Foi, provavelmente, o bisavô de Luís Vaz de Camões. A etimologia do apelido talvez se relacione com uma freguesia galega chamada Santa Eulália de Camós, pronunciada camones pelos populares, o que reproduz a sua grafia medieval ducentista. Também não se pode ignorar o nome hispânico calamón, do qual deriva o catalão galmon e o nosso camão: todos nomes para o galeirão comum, ave aquática, aparentada com a abetarda, que habita junto aos rios. Ainda no século XVIII se dizia camão em vez de galeirão; não obstante a palavra galeirão existir desde o século XIII, sem dúvida com outro significado.

Resta esclarecer que camões ainda ganhou o significado de zarolho, por culpa do acidente que feriu um dos olhos do poeta: acidente que consistiu no disparo aziago de um estilhaço de uma peça de artilharia - quase de certeza, um pequeno canhão, embora se especule quanto às circunstâncias do acidente: se no Norte de África ou em Lisboa.

O dia 10 de Junho ainda foi durante muito tempo chamado de Dia de São Camões.

Imagem: Retrato Pintado a Vermelho, de Fernão Gomes (1573-1575?).