sábado, 14 de maio de 2016

Mal por mal, antes Pombal

Discordo profundamente que a Praça do Marquês de Pombal, em Lisboa, continue a ser utilizada para celebrar vitórias futebolísticas, sobretudo, quando estas se fazem sob reforçada vigilância policial; circunstância que demonstra - caso prova fosse precisa - de que estes festejos não são de natureza pacífica (são de natureza catártica) e consistem num poderoso sinal de que a sociedade está doente, pois a catarse tem, precisamente, o propósito de purificar os órgãos, o aparelho, o sistema. Em suma: quando se está bem, não se procura a catarse - esta é apanágio de estados avançados de morbidez, de inveterada doença. Não tenho a certeza sobre se o futebol é uma doença, mas não duvido de que a exaltação febril, violenta, que provoca, é, de facto, uma doença. Infelizmente, quem não gosta de futebol, tem de submeter-se a situações aviltantes, por culpa daqueles que gostam; como, por exemplo, não poder circular livremente em determinadas zonas da sua cidade ou ter o desagradável dissabor de ver um monumento nobre ser dessacralizado por bandos de aficionados da catarse, munidos de vexatórios vexilos, garrafas de cerveja, latas de tintas em aerossol e porretes. Sinto um desprezo extraordinário pelo labroste catecismo de pacotilha que homogeneíza comportamentos sob os mesmos estribilhos e os mesmos gestos, como se somente em feitios desse jaez fosse legítimo comemorar a vitória de um clube futebolístico sobre o outro; como se os indivíduos se sentissem completos e satisfeitos por coreografarem dessa forma tão estandardizada e superficial - e a maioria sentir-se-á mesmo completa e satisfeita, o que é desanimador. Sempre que espreito as imagens televisivas das hordas em êxtase na Praça do Marquês de Pombal sinto-me romano a ver os bárbaros a invadir o fórum, pois, para mim, é do triunfo do barbarismo que se está a falar. Barbarismo sancionado e observado com paternalismo podre por servir de válvula de escape a milhares de indivíduos.

Ainda por cima, como já escrevi em outras ocasiões, o Marquês de Pombal odiava futebol e proibiu que fosse jogado aos dias de semana, de acordo com o Capítulo 32 - «Postura dos Que Jogão à Bolla Pela Semana» - das posturas públicas pombalinas, publicadas entre 1982 e 2000 pela Câmara Municipal de Oeiras nos três volumes intitulados Memorial Histórico ou Colecção de Memórias sobre Oeiras: quem fosse apanhado a jogar à bola num dia e numa altura que não fosse Domingo depois da missa matutina, ia preso e tinha de pagar quinhentos réis de multa. Mal por mal, antes Pombal, dá vontade de dizer.