Discordo profundamente que a Praça do Marquês de Pombal, em Lisboa,
continue a ser utilizada para celebrar vitórias futebolísticas,
sobretudo, quando estas se fazem sob reforçada vigilância policial;
circunstância que demonstra - caso prova fosse precisa - de que estes
festejos não são de natureza pacífica (são de natureza catártica) e
consistem num poderoso sinal de que a sociedade está doente, pois a
catarse tem, precisamente, o propósito de purificar os órgãos, o
aparelho, o sistema. Em suma: quando se
está bem, não se procura a catarse - esta é apanágio de estados
avançados de morbidez, de inveterada doença. Não tenho a certeza sobre
se o futebol é uma doença, mas não duvido de que a exaltação febril,
violenta, que provoca, é, de facto, uma doença. Infelizmente, quem não
gosta de futebol, tem de submeter-se a situações aviltantes, por culpa
daqueles que gostam; como, por exemplo, não poder circular livremente em
determinadas zonas da sua cidade ou ter o desagradável dissabor de ver
um monumento nobre ser dessacralizado por bandos de aficionados da
catarse, munidos de vexatórios vexilos, garrafas de cerveja, latas de
tintas em aerossol e porretes. Sinto um desprezo extraordinário pelo
labroste catecismo de pacotilha que homogeneíza comportamentos sob os
mesmos estribilhos e os mesmos gestos, como se somente em feitios desse
jaez fosse legítimo comemorar a vitória de um clube futebolístico sobre o
outro; como se os indivíduos se sentissem completos e satisfeitos por
coreografarem dessa forma tão estandardizada e superficial - e a maioria
sentir-se-á mesmo completa e satisfeita, o que é desanimador. Sempre
que espreito as imagens televisivas das hordas em êxtase na Praça do
Marquês de Pombal sinto-me romano a ver os bárbaros a invadir o fórum,
pois, para mim, é do triunfo do barbarismo que se está a falar.
Barbarismo sancionado e observado com paternalismo podre por servir de
válvula de escape a milhares de indivíduos.
Ainda por cima, como já escrevi em outras ocasiões, o Marquês de Pombal odiava futebol e proibiu que fosse jogado aos dias de semana, de acordo com o Capítulo 32 - «Postura dos Que Jogão à Bolla Pela Semana» - das posturas públicas pombalinas, publicadas entre 1982 e 2000 pela Câmara Municipal de Oeiras nos três volumes intitulados Memorial Histórico ou Colecção de Memórias sobre Oeiras: quem fosse apanhado a jogar à bola num dia e numa altura que não fosse Domingo depois da missa matutina, ia preso e tinha de pagar quinhentos réis de multa. Mal por mal, antes Pombal, dá vontade de dizer.