quarta-feira, 4 de maio de 2016

Quebrada a estátua de D. Sebastião da estação ferroviária do Rossio

 
Ontem à noite, um energúmeno de vinte e quatro anos de idade destruiu totalmente a estátua de D. Sebastião, esculpida em 1887 por Simões de Almeida, que se encontrava na fachada da entrada fronteira da estação ferroviária do Rossio, em Lisboa. Dizem as agências de comunicação que a deitou ao chão quando tentou empoleirar-se na consola que sustentava a escultura para tirar uma selfie. Sinto-me chocado com este crime de lesa-património contra um dos ícones mais queridos e distintivos da cidade de Lisboa.

Pelas inefáveis caixas de comentários dos sites de Internet de diversos jornais que, entretanto, noticiaram o crime, já pode ler-se opiniões desculpantes que colocam sobre o acontecimento uma tónica digna de dó, argolada na suposta falta de segurança pública em que consistia uma estátua que caiu tão facilmente, ignorando que em quase cento e trinta anos de existência foi preciso esperar que um debilóide se guindasse na peanha em que a escultura assentava para que esta, de facto, caísse ao chão e se quebrasse em pedaços. Não duvido que se o paspalho se tivesse lembrado de trepar, por exemplo, pela estátua do Eusébio e a tivesse danificado de algum modo, por mais incipiente que fosse, as opiniões expressas nas caixas de comentários seriam bem diferentes; pois não me liberto da ideia de que neste abjecto período que atravessamos, em que a história é observada como sendo inútil e se faz diariamente a apoteose de outro tipo de expressões e (des)valores, como a promoção contínua da vapidez, da cupidez e da estupidez pelos vários veículos da comunicação social e pela indústria do entretenimento, se perdeu totalmente a vergonha e, pior!, a noção mais rudimentar do que é importante, salutar, vivífico. Para mim, que vivo constantemente de imaginário pajão na mão a tentar - às vezes, sem êxito, o que é angustiante - afastar da minha pessoa as tais vapidez, cupidez e estupidez, é cada vez mais difícil viver - conviver, então, é absolutamente penoso - num mundo que, por culpa de crimes deste tipo e por culpa da indulgência com que são observados e punidos, se torna inexoravelmente mais pequeno, mais homogéneo, mais irrelevante. Gostava que o pedaço de asno que destruiu a estátua tivesse uma punição exemplar - repito, uma punição exemplar -, mas, enfim, não criar expectativas em relação a nada tem-me servido bem, daí que farei o mesmo neste caso.

Quanto à escolha difícil das imagens aqui publicadas, a razão foi a seguinte: mostrar a escultura de D. Sebastião, tal como ela, até esta data, deveria ser para a maioria dos indivíduos - ou seja: uma coisa antiga, nebulosa, sem valor que por ali estava, sem sequer se dar por ela - e confrontar esse imago com os cacaréus em que foi transformada por um marginal mental. Em anexo, fica, para quem ainda reserva um pingo de indignação, a imagem que resta, também da autoria de Simões de Almeida, de um D. Sebastião, ainda infante, lendo Os Lusíadas, esculpida dez anos antes da estátua colocada na fachada da estação ferroviária do Rossio e que pode ser vista no Museu do Chiado.