Agora que decorre, até 12 de Junho, o XIIº Festival Internacional de BD de Beja,
lembrei-me de anotar aqui algumas inquietações sobre a banda desenhada
portuguesa.
Em primeiro plano, uma inquietação relacionada com
essa designação de «portuguesa», como se houvesse, de facto, uma
"escola", diga-se assim, ou um estilo reconhecível que cunhasse com um
carácter distintivo, genuinamente português, a banda desenhada feita por
autores portugueses. Acredito que não existe nenhum carácter distintivo
ou escola dessa natureza, daí que, provavelmente, em toadas mais
rigorosas, fosse mais proveitoso falar-se em banda desenhada feita por
autores portugueses, embora reconheça, evidentemente, a facilidade
comunicacional/discursiva de «banda desenhada portuguesa».
Com efeito, quando se fala em «banda desenhada francesa», «banda
desenhada norte-americana» ou «banda desenhada japonesa», pese a
diversidade de registos que, tantas vezes, escapam à atenção do público
não-especializado, é possível falar-se, nessas latitudes, de escolas ou
estilos reconhecíveis - de identidades colectivas.
Ora, não acho
que a banda desenhada feita por autores portugueses seja
particularizável desse modo; embora me lembre de, pelo menos, quatro
algoritmos que têm regulado a produção de banda desenhada feita por
autores portugueses:
1) adaptações de clássicos literários e versões de histórias de Portugal (actualmente com pouca expressão);
2) fortíssimo pendor para histórias passadas em ambientes
exclusivamente - e abafadoramente - urbanos ou suburbanos, muitas vezes
com alguma imagética devedora dos géneros policial ou noir (em
principal nos fanzines);
3) domínio quase exclusivo de banda
desenhada de autor, auto-editada ou não, com pouquíssimas incursões na
banda desenhada comercial ou em que figurem personagens principais
seriadas;
4) tendência para forte representação de autores
portugueses de banda desenhada em produções originais estrangeiras -
vulgo, personagens cujos direitos são detidos pelos grupos Marvel
Comics-Disney, DC Comics-Time Warner, etc. (situação cada vez mais
frequente, mercê da acessibilidade e facilidade de comunicação que a
Internet proporciona).
(Imagem: um dos doze painéis sequenciais
de azulejos do dito Padrão do Senhor Roubado, em Lisboa (1744), um dos
múltiplos exemplos históricos - neste caso, português - de banda
desenhada avant la lettre.)