segunda-feira, 16 de maio de 2016

O verdadeiro campeão


Para que não haja engano, declaro, à partida, que não gosto de futebol e desconsidero profundamente a incultura - de gestos, cânticos, coreografias - que lhe está associada. Não me orgulho, particularmente, de pertencer à classe dos intelectuais que odeiam futebol, porque também odeio lugares-comuns, mas, como quem dá o que tem a mais não é obrigado, parecer-me-ia ainda pior esconder as minhas convicções por receio de sofrer com os efeitos da impopularidade. Já Lucrécio, em tempos de antanho, falava na importância das palavras que vêm do coração e, neste caso, é mesmo daí que vêm as seguintes.

Entristece-me e revolta-me ver a massa de gente que, a esta altura, na Praça do Município, celebra, como se fosse algo verdadeiramente importante, a vitória de um clube de futebol no final de um campeonato futebolístico, quando, na verdade, nem um par de boas almas se dignaria a mostrar a cara para homenagear no mesmo local eventos ou indivíduos que foram fundamentais para a história de Lisboa. Aceito que a minha perspectiva sobre este assunto possa encontrar-se desviada pelas convicções a que aludi no primeiro parágrafo deste texto, mas considero lamentável a febre futebólica que desde sexta-feira tomou de assalto a comunicação social e que culmina, hoje, com a homenagem na câmara municipal de Lisboa. 

Gostaria que milhares de pessoas arvorassem um gáudio da mesma intensidade para, por exemplo, homenagearem, entre outros, Júlio de Castilho, o pai da olisipografia, que morreu em condições miseráveis e cuja deterioração da sua última morada - na intersecção da Rua Pena Montero com a Calçada do Picadeiro, na freguesia do Lumiar - se mantém como escandaloso opróbrio que fere o coração de quem por lá passa e sabe qual foi a importância desse atlante campeão - esse, sim, autêntico campeão - de Lisboa. Poucos - pouquíssimos - fizeram tanto quanto ele pelo conhecimento e amor por Lisboa. Hoje, quem se lembra dele? Quem é que sabe o nome dele? E quem é que sabe de cor e salteado os nomes de todos os jogadores de futebol - e de participantes em reality shows?

As imagens aqui publicadas são: uma aguarela da sua casa pintada pelo próprio Júlio de Castilho (que além de extraordinário escritor e investigador, também era pintor); e uma imagem recente do estado actual da mesma casa. São duas visões que aqui deixo para fazer pensar: quem tiver sensibilidade que pense.