segunda-feira, 5 de maio de 2014

Por apófase


É com desalento que concluo que, hoje, Portugal só pode ser explicado por apófase: ou seja, por tudo aquilo que não é.
Não me tornei, ainda, um verdadeiro pessimista, mas não consigo encontrar razões para me designar como optimista, daí que, talvez, seja um "céptico simbólico"; sendo que "simbólico", aqui, deve ser lido segundo a aplicação que lhe foi dada por Pierre Bordieu: leia-se, um invisível, mas presente, conjunto de preceitos que afectam de modo desoficial. Recair, ininterruptamente, sobre esses discursos invisíveis faz-me pensar na probabilidade de estar-se a assistir a uma desaceleração da democracia (se isso significa uma iminente e tout court abolição da mesma restará para ser visto). Agora que estamos prestes a sair "limpos", dizem, da purga que nos sanou das nossas supostas abligurições, veremos até que ponto o estrago provocado pela iatrogenia nos deixou, permanentemente, aleijados - no corpo e, principalmente, no espírito. Qualquer domador sabe que é preciso quebrar o espírito das criaturas de modo a obrigá-las a aceitar com resignação uma nova normalidade.

(Quadro: Job, de Sir William Orpen. 1905.)