Somos holoedros anfíbios: vivemos multifacetadamente, em simultâneo, no
presente e em outro tempo — no tempo exterior e num tempo interior. Um
mede-se pelos ponteiros e é afectado pela atracção da força gravítica; o
outro não se deixa agrilhoar pela física e mede-se com hieróglifos
secretos que desenhámos a lápis e a giz na infância, mede-se através da
aceleração do músculo cardíaco cada vez que rompemos num mergulho essa
membrana feita de memórias. A relação axissimétrica entre
ambos os tempos define o modo particular como nos comportamos no plano
espacial: em harmonia com o presente ou estrangeiros do presente. O
presente e nós como capitéis perclaramente nivelados ou, então,
parêntesis afastados por sucessivos graus de infinitude.
O tempo interior é congénito, cronóvoro, eléctrico-resinoso de tanto se esfregar no âmbar em que se cristalizaram os nossos diversos eus: a genealogia das nossas identidades e idades é feita da impressão dessa cromatófora faísca com o pó das nossas células mortas, à guisa de dendrites lichtenberguianas — à primeira observação tão confusa quanto a turfa de Dürer, na remistura de ramagens, caules e raízes, mas única, com a singeleza e a autoridade mansa de um equinodermado borrão de tinta, pejado de fiordes, rombos e escolhos microscópicos que algum tipo de forma de vida, à sua escala, irá um dia navegar. Essas amorfidades falam connosco. Dizem-nos que o nosso tempo não é o tempo do mundo. O tempo do mundo será o nosso caixão, mas não foi o nosso berço, pois de outros tempos interiores nascemos — e para um outro tempo seu cognato viajaremos.
Por conseguinte, a obsessão em ser-se do tempo do mundo, um tempo que não é nosso, é uma moléstia bem miserável.
O tempo interior é congénito, cronóvoro, eléctrico-resinoso de tanto se esfregar no âmbar em que se cristalizaram os nossos diversos eus: a genealogia das nossas identidades e idades é feita da impressão dessa cromatófora faísca com o pó das nossas células mortas, à guisa de dendrites lichtenberguianas — à primeira observação tão confusa quanto a turfa de Dürer, na remistura de ramagens, caules e raízes, mas única, com a singeleza e a autoridade mansa de um equinodermado borrão de tinta, pejado de fiordes, rombos e escolhos microscópicos que algum tipo de forma de vida, à sua escala, irá um dia navegar. Essas amorfidades falam connosco. Dizem-nos que o nosso tempo não é o tempo do mundo. O tempo do mundo será o nosso caixão, mas não foi o nosso berço, pois de outros tempos interiores nascemos — e para um outro tempo seu cognato viajaremos.
Por conseguinte, a obsessão em ser-se do tempo do mundo, um tempo que não é nosso, é uma moléstia bem miserável.