domingo, 9 de junho de 2019

Álgebra azul


Gostamos de pensar em termos de contraposições, mas objectos haverá que não possuem laços de mútua oposição com outros; no entanto, em obsessiva logotaxia, subordinamos substantivos em artificiais e contrapassantes relações. Vida e morte, por exemplo, serão artefactos intralinguísticos quase arquetípicos desse desempenho imprudente, contudo como computar o verdadeiro valor de uma palavra? Por qual razão lhe atribuímos um especial significado?

Na fantasmagórica linguagem algébrica as expressões unem geralmente duas peças através de sinais ora positivos, ora negativos – mesmo quando se transcende a dimensão binomial para se comunicar através de polinómios, esses intersticiais sinais de + e de - nunca deixam de impor-se, uma constatável objecção à alegada abstracção do cálculo proposicional – argumentum baculinum. É fácil ignorar que a morte é uma palavra volúvel: quando se pensa nela aplicada aos outros é de volume constante, separadamente da nossa posição no tempo e no espaço, que nem um imóvel sidéreo no breu da inteireza; porém, ei-la a diminuir quando somos nós a fazer parte do enunciado e a observamos reiteradamente à distância. É, pois, ao longe, exteriores à nossa circunstancial abrangência, que repousam com sono levíssimo todas as tragédias do futuro a que somos poupados pela nossa morte: o mundo perpetuará ininterruptos ciclos de crueldade para nunca extorquir às espécies a reconfortante miserabilidade de fenecerem antes que aconteçam horrores insuportáveis. Não há vileza nessa doçura de lástima bafejada pela boca dos mortos num binómio de angústia e alívio: uma palpitação, um corte de papel no coração, e o refrigério da alma é suspeitar que não se presenciou o pior. É por isso que o horror tem de perdurar: para não despossar os perecidos da sua esperança – hierografias perispirituais.

Nesse sentido apotropaico – expiatório – da linguagem, compreende-se melhor o elo contraposicional entre palavras na entusiasmante paralisia semântica do idioma dos Estrumpfes, veiculado em símiles holonimiais: essa língua é atravessada por um mínimo de razão suficiente, purgativo da prosódia, pois a pronúncia é reduzida à completa homofonia. Nela existe, todavia, um máximo de metafísica essencial – é por essa via mágica que a linguagem comum é defendida, preservada, retida incólume por trás de um algébrico código de automática compressibilidade. De compleição lazulítica como os deuses da antiguidade, cor do céu e do espírito, estes desadornados e comestíveis homúnculos da floresta, que servem nas suas histórias de vigários dos anões e dos gnomos tradicionais, são puros contrafortes da voz e do pensamento, pois pela repetição huisclosística – ancólia, angélica, apartada da primitiva tríade telúrica do preto, vermelho e branco – repelem a corrosão das palavras. E a erosão da vida, pasme-se!, parece atrasar-se a esse ritmo, também.