Gostamos de pensar em termos de contraposições,
mas objectos haverá que não possuem laços de mútua oposição com outros;
no entanto, em obsessiva logotaxia, subordinamos substantivos em
artificiais e contrapassantes relações. Vida e morte, por exemplo, serão
artefactos intralinguísticos quase arquetípicos desse desempenho
imprudente, contudo como computar o verdadeiro valor de uma palavra? Por
qual razão lhe atribuímos um especial significado?
Na fantasmagórica linguagem
algébrica as expressões unem geralmente duas peças através de sinais
ora positivos, ora negativos – mesmo quando se transcende a dimensão
binomial para se comunicar através de polinómios, esses intersticiais
sinais de + e de - nunca deixam de impor-se, uma constatável objecção à
alegada abstracção do cálculo proposicional – argumentum baculinum. É
fácil ignorar que a morte é uma palavra volúvel: quando se pensa nela
aplicada aos outros é de volume constante, separadamente da nossa
posição no tempo e no espaço, que nem um imóvel sidéreo no breu da
inteireza; porém, ei-la a diminuir quando somos nós a fazer parte do
enunciado e a observamos reiteradamente à distância. É, pois, ao longe,
exteriores à nossa circunstancial abrangência, que repousam com sono
levíssimo todas as tragédias do futuro a que somos poupados pela nossa
morte: o mundo perpetuará ininterruptos ciclos de crueldade para nunca
extorquir às espécies a reconfortante miserabilidade de fenecerem antes
que aconteçam horrores insuportáveis. Não há vileza nessa doçura de
lástima bafejada pela boca dos mortos num binómio de angústia e alívio:
uma palpitação, um corte de papel no coração, e o refrigério da alma é
suspeitar que não se presenciou o pior. É por isso que o horror tem de
perdurar: para não despossar os perecidos da sua esperança –
hierografias perispirituais.
Nesse sentido apotropaico – expiatório – da linguagem, compreende-se
melhor o elo contraposicional entre palavras na entusiasmante paralisia
semântica do idioma dos Estrumpfes, veiculado em símiles holonimiais:
essa língua é atravessada por um mínimo de razão suficiente, purgativo
da prosódia, pois a pronúncia é reduzida à completa homofonia. Nela
existe, todavia, um máximo de metafísica essencial – é por essa via
mágica que a linguagem comum é defendida, preservada, retida incólume
por trás de um algébrico código de automática compressibilidade. De
compleição lazulítica como os deuses da antiguidade, cor do céu e do
espírito, estes desadornados e comestíveis homúnculos da floresta, que
servem nas suas histórias de vigários dos anões e dos gnomos
tradicionais, são puros contrafortes da voz e do pensamento, pois pela
repetição huisclosística – ancólia, angélica, apartada da primitiva
tríade telúrica do preto, vermelho e branco – repelem a corrosão das
palavras. E a erosão da vida, pasme-se!, parece atrasar-se a esse ritmo,
também.